Do avesso, um verso se ajeita ...




domingo, 19 de setembro de 2010

E se ela voltasse para mim?

Tarde assutada, como se o sol estivesse com receio de queimar sua pele, ou ressecar suas mãos tão pequenas. Nesse dia ele resolveu ir dormir cedo, mas permitiu que alguns raios ainda clareassem a alvidez do firmamento recheado de algodão, para ser cenário de um encontro que duraria o que as pessoas chamam de eternidade.
- Vamos brincar?
- Mas já? Nem sei seu nome.
- E o que importa o nome quando a personalidade da gente já está despida diante do outro?
- Brincar de quê?
- De sermos uma só...
- E tem como?
- Tem sim!
- E como?
- Segura minha mão...
Era como se as mãos dela já conhecessem as minhas e, desde aquele momento, elas se precisassem.
E seguiu comigo.
Ela sorria com as mãos juntas, ela chorava sem desprender os dedos que estavam entrelaçados como as tranças do seu cabelo, em mim, juntas, as formavam.
Ela subia, ela descia, ela caía, sacudia, mas das minhas mãos não se desprendia. Ela crescia, ela cantava, ela vencia, levantava, e com em minhas mãos, comemorava.
Ela me ensinou o que é sermos nós, nós de pronome pessoal, de caso, de fato, de exato.
Nós, dois eus juntos, singulares plurais. Eu & Eu(a), de mãos dadas.

Hoje eu estou desse lado, ela daquele lá.
Mas minhas mãos não estão sozinhas, pois ainda a sinto segurando-as, com cuidado, como quem segura um coração cansado.
Minhas mãos que agora escrevem e descrevem ela, soltam as dela, só um pouquinho, para se juntarem, como pedido e como desejo, juntas quietas.
E se juntam, também, em euforia, para cantar a alegria de ter a minha vida e a dela juntas, em nossas únicas mãos.
É só por um instante, só por um. Já, já as mãos se encontram outra vez.







FELIZ VIDA NOSSA, VIDA! TEAMO (L

sábado, 18 de setembro de 2010


Eu abro a janela e mal consigo acreditar! Inspiro um milhão de cores e expiro uma explosão de flores, escapando afoitas do meu peito. Eu abro a janela e mal consigo acreditar: estou viva! O Universo, com seus treze bilhões de anos concedeu-me um intervalinho no tempo, que eu chamo dia, e o começa assim, com uma manhã cheia de flores! Ah, é demais para mim! Todos os dias, eu abro a janela e me dá vontade de chorar. É tudo tão bonito, tudo tão... inacreditavelmente perfeito e encaixado que nem a maldade dos homens, de seis bilhões de homenzinhos pequenininhos, pode ser maior do que o conjunto das estrelas erradias, ainda mais quando metade de cada homem também é amor... Então, o que importa se eu perdi o ônibus, se a chuva despencou na minha cabeça, se ela me disse um desaforo, se nem meu amigo ele quer... o que importa? Há uma pequena chance na minha janela, que eu chamo dia, para extravasar o meu amor, cultivar um amigo, conhecer a história de uma senhora ou me aproximar de um vizinho, abraçar alguém que eu gosto muito, ligar para um velho amigo, viver, viver e viver? Ah... como posso reclamar da vida? Eu estou viva! E foi por um triz.

Quando alguém olha para você e estende aquele dedo do meio, ele está querendo dizer: "Escuta aqui, você não é mindinho, não é o fura-bolo e, muito menos, o cata-piolho! Você é o maior de todos!!!"

Pode até parecer que sim, mas meu mundo não é cor-de-rosa. A minha alegria brota das coisas tristes que eu vejo ao redor. Quando mainha não tem o que dar de comer aos filhos, mas divide um gão de arroz, com bom coração. Quando o ladrão me assalta, mas divide o meu dinheiro comigo. Quando o moço me estende o dedo do meio e me faz recordar brincadeiras de criança. Assim é a minha alegria! É quando o feio mundo tenta, mais que tudo! Apesar de tudo! Parir um instante de beleza e é esse instante, que na próxima fração de segundo escapará da minha câmera, que me comove e me arrebata, com se eu abrisse os braços e acolhesse o mundo: um bichinho ferido, carente de amor. E isso é maior que tudo, mais lindo que tudo, muito mais lindo do que se o mundo fosse perfeito.

[Rita Apoena]
Inexplicável como algumas pessoas, ainda, tem o dom de ser, verdadeiramente, humanas! Lindo texto!!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

E quem não quer crescer?



... Ela queria, mesmo, era continuar correndo no meio da rua e rindo com a boca aberta para o vento preencher todo o seu sorriso.
Ela queria, mesmo, era andar descalça na areia fina da praia e beijando com seus dedos os cabelos do mar que vinha convidando-a para ser infinita, como ele.
Ela queria, mesmo, era não ter relógio para não perder tempo, para não marcar hora para o abraço e nem minutos para a chegada, pois a chegada seria constante.
Ela queria, mesmo, era rabiscar o papel sem destino algum para o desenho, só, apenas, fazê-lo existir, fazê-lo ser, fazê-lo ...
Ela queria, ela sempre quis.

Ela teve.

Mas anoiteceu, e ela teve de ir-se deitar, sem saber que amanheceria maior, com sandálias, com relógios, com grampos nos cabelos.
Ela viu os sonhos descendo das estrelas e sendo postos em suas próprias mãos.
Ela viu seus amores saindo da janela de sua alma e criando imagem no lado oposto dos seus olhos.
Ela vê choro, ela vê distância, ela vê saudades, ela não a vê ... Ou, sim, ela se vê, mas de outra forma, com outra roupa, com outra pele, com outros brincos ...
Mas ela queria, mesmo, era continuar sem embalagem, ela queria, mesmo, era continuar, ela ...
Hoje, ela está tornando-se, ela será música, ela será verso, ela será dança . . . Ela será as lembranças felizes de um tempo em que ela era, toda, chamada esperança.
Vou buscá-la, viu?
Vou trazê-la . . Vou abraçá-la em mim e não deixá-la ir!
Vou desprendê-la do lado oposto do espelho, onde a deixei, desde a última vez que nos olhamos de verdade uma para a outra. Pois eu sei que ela vai estar lá, ela vai estar . . Ela não cresce, ela não quer crescer, não quer, não!