Do avesso, um verso se ajeita ...




domingo, 27 de maio de 2012

Como tudo que é_leve

O espetáculo tinha começado as 20:30 e tudo brilhava com as luzes embaixo daquela grande lona colorida. Os malabaristas aplaudidos incansavelmente por tão bela apresentação de desafiar as leis da gravidade. O mágico que mais parecia um cigano, com tanta carta na manga e ameaças no sorriso que hipnotizava até o vendedor de pipocas. A menina elástico que cabia na caixinha de música como o nosso amor infinito cabe na nossa mão. Surpreendente! 
Como sempre é. 
Como é para ser. 
Antes da segunda parte do espetáculo, o curioso "arrancador de sorrisos" já fazia cosquinhas no meu coração, como sempre. Paixões como a minha por palhaços é realmente incomum. Toda criança normal vive de medo de caras pintadas, mas eu não, eu sempre me pintava para ser verdadeira, e sempre quis ver as verdades por baixo das tintas daqueles seres de narizes vermelhos que faziam minha barriga doer e, ainda assim, em meio a dor, ser feliz!
Leve, assim chamavam o palhacinho sensação daquele mundo mágico. O que me intrigou muito mais, pois costumeiramente os palhaços apresentam-se com nomes de doces, ou outras fescurinhas que são engraçadas lembrar, mas Leve era um nome macio, assim como o significado. Leve era algo além de apresentar, é algo que existe além. Leve é diferente, talvez por eu achar que era mesmo um adjetivo. Eu, sentada no último degrau da arquibancada de madeira, tentei enxergar além da tinta. Olhos que brilhavam, mas um sorriso que muito pouco aparecia. Sim, o dele. Mas ainda assim encantava com os truques que mexiam ainda mais com a minha curiosidade em saber quem ele era.
Quem mais, além de mim, sonha com um amor bobo assim? Alguém que faça graça junto com você. Que não se importe em ser ridículo ao ponto de todos rirem dele. Alguém disposto a ser feliz além do que é necessário para se estar feliz.
- No seu cabelo!
Falou apontando para o lado em que eu estava. Olhei para os dois lados e, agora mais atrapalhada do que curiosa, apontei para mim indagando sobre ser "de mim" que ele estava falando.
- Há outro jardim que caiba uma flor tão bonita no cabelo?
Os assovios vocês conseguem ouvir, eu acredito [sorriso]! 
Passei a mão no meu cabelo e lá estava, não sei como veio, mas agora em minha mão estava a rosa que ele mesmo tirou do bolso do blusão colorido e a fez chegar em mim, enquanto eu me admirava com a facildiade de fazer sorrirem os outros. Enquanto eu me ocupava criando mundos únicos e nossos aqui no espetáculo dos meus pensamentos.
Acabou a primeira parte do espetáculo. Todos iam comprar seus doces e pipocas para prestigiarem a última parte das apresentações. Era mais forte do que eu a vontade de ir até ele, e por ter sido tão mais forte me fez ir.
Parece que por trás das cortinas todo o mundo mágico do circo desaparece. Não existia ninguém ali, ninguém e nada além da minha vontade inquieta de querer abraçar e agradecer por um presente que enfeitaram não só os meus cabelos.
- Perdida, senhorita dos cabelos de jardim?
- [sorriso]
- Pois saiba que de perto esse sorriso é ainda mais lindo.
- Parece que te conheço há muito tempo.
- Desde que resolvemos pintar os medos?
- [sorriso]
- A gente conhece o outro, não adianta!
- E você me conhece?
- Desde que comprou os ingressos e apertou a minha mão, agradecida.
Ah, então era mesmo o moço que estava vendendo os ingressos e me fez mil e uma perguntas sobre vir sozinha ao circo [eu não estava sozinha, apesar de ser]. Que falou sobre o seu gostar por tranças nos cabelos ... e outras coisas que, pela pressa em ver o espetáculo e esquecer o mundo aqui fora, ainda que por algumas horas, fez-me não ouví-lo.
- Então você é o moço dos ingressos? Que coisa!
- Viu? Desde que entrou aqui eu te conheço. Desde que fez trança e me chamou sorrindo de senhor, e com delicadeza perguntou "palhacinha paga ingresso?". [gargalhamos juntos! e ele continuou] - E desde que teve minha rosa, por agora, quero muito que seja minha.
É sério que o amor pode acontecer como um simples truque de mágica?
É simples como a gente pode amar em minutos o que não se amou em uma vida inteira?
Uma flor no meu cabelo. Uma mão agradecida por ser tocada. Dois sorrisos querendo abraçar o mundo um do outro. Dois medos pintados. Um único abraço para sempre. Um beijo para eternizar.
- Leve de leveza?
- Não! Leve de levar ...
E me levou ... como é de praxe. Todas as coisas belas e encantadoras fazem estragos maravilhosos no nosso coração e precisam ir embora! Amor é circo, não é? Levando tanta coisa que foi construída em pequenos instantes, instantes feitos para não serem mais do que aquilo. 
Só instantes!
E ainda hoje quem me vê de cara pintada, nariz vermelho e uma flor entrelaçada na trança do meu cabelo não entende o porquê de eu estar tão leve ... leve, de levada!

segunda-feira, 14 de maio de 2012

...



"O destino, este brincalhão, às vezes nos leva a escolher as coisas mais distantes. Depois, nos mostra que o tesouro estava o tempo inteiro ao nosso lado. A gente vive cruzando o rio atrás de água, né? Dobramos a bainha das calças e caminhamos milhas e milhas atrás da água que já estava ali, desde o início, molhando nossos pés." 


Humberto Gessinger.

domingo, 6 de maio de 2012

Deixei de ser o que não fui, eu.

 
Quando eu tinha mãos, 
para tocar o impossível, 
Eu me fiz toda invisível 
Entregando desejos ao vão. 

Quando olhos eu ainda tinha, 
Para enxergar além de mim,
Por tempo infinito eu me esqueci, 
a quem de verdade eu pertencia. 

Quando o ar não me faltava 
Eu respirei ventos alheios. 
Eu me privei dos meus anseios, 
Para viver o que me matava 

E agora, além de tudo, sempre só, 
Vou rasgando o mundo inútil, antes segredo, 
Que hoje não alimenta mais meus medos 
Nem mais sopram o que de resto já "sou" pó.