Do avesso, um verso se ajeita ...




quinta-feira, 5 de julho de 2012

#Diálogos intermináveis ...

- Êita, que já já amanhece, né?
- É mer'mo. Tu sente medo, é?
- De quê?
- De que amanheça?
- Eu não!
- ...
- Eu sinto é saudade!
- Pois então fique, mesmo que amanheça.
- Mas tu sabe que eu não posso ficar. Pelo menos não agora. Não até amanhecer de outro jeito.
- Vixe, que lá vem tu com essas filosofias cheias de coisas que eu não entendo.
- Que filosofias, o quê? Deixe de bestagem. Tu sabe muito bem do que eu tô falando.
- ...
- Sabe, num é?
- Só sei se for de nós.
- Pois é. Sabe ... eu acho que esse mundo é mesmo redondo, viu?
- Ôxe, hahaha. E tu ainda duvidava que era, era menina?
- Sim, menino! Mas no sentido de dizer que ... ah, redondo assim, cheio de voltas. haha, páre de me olhar com essa cara de quem não sabe ler japonês, hômi!
- Mas eu num sei ler japonês mer'mo não, hahaha.
-  Pra mim quem sabe ler silêncio e olhar .. então sabe ler qualquer coisa!
- ...
- Sim, deixe eu dizer do mundo, escute ... que ele dá é voltas, num sabe? É como se existisse um ponto de partida, de onde a gente sai, de onde a gente parte, é lógico, se é de partida, né? Pois pronto! A gente sai e vai em busca de um monte de coisa, de coisas que nos enriqueça, que nos fortaleça, que nos favoresça, de mêimundo de coisa pra encher essa nossa vidinha besta e dar sentido há mais mêimundo de coisas que no fim a gente nem sabe o que é, e pra que é que a gente quer. Mas, daí, assim, como que se tivesse dado essa volta toda, sabe? A gente volta pro ponto de onde partiu, aqui, óh, pro mer'mim. O ponto que era de partida agora é o de chegada, e aí quando a gente chega aqui, no ponto de chegada que era o ponto de partida, a gente percebe que tudo que a gente foi buscar dando essa volta toda por aí, tudo que a gente foi atrás, e que achava ser aquilo o essencial pra vida da gente ... aquilo tudo ... tava sempre era aqui, bem aqui, bem nesse lugar de onde a gente nunca devia ter saído.
- ...
- E tu tava lá quando eu saí, néra? E parece que é quando a gente volta que percebe o que é mer'mo de valor que a gente tem na nossa vida. Deixa pra lá o pai, a mãe, o lençol velho feito dos retalhos dos panos véi de vovó, o pratinho de alumínio que a gente só comia todo se fosse nele, porque, sei lá, tem um gosto diferente e bem melhor. Deixa os grampos de cabelo, esquece a chinela vermelha e deixa pra lá um possível amor de quem nem sabe direito o que danado que é isso que faz a gente tremer as pernas só de ouvir falar o nome.
- ...
- E é a aí que a gente volta e vê, mer'mo sem essas coisas tarem do jeito que a gente deixou, mas algumas ainda estão, e são essas que tão aqui, que mostram pra gente. É como se fosse uma segunda chance, e eu acho que quero mer'mo acreditar que seja, num sabe? Quero acreditar que é outra chance que a vida nos dá, de voltar e encontrar ainda aqui, mer'mo tendo dado voltas, e mudado um pouco a cor, mas são essas, as coisas importantes da nossa vida. Essas que ainda estão aqui, como se fosse nos esperando. Parece alívio, né?
- ...
- Pare de me olhar com cara de quem nunca viu estrela cadente, vá!
- Bonita assim, e rindo? Desconfio muito!
- ôxe! ... Tu também deu uma voltona, num foi? Tá aí com essa mão apoiando o queixo, mas deve ser mer'mo é pensando nas voltas que tu deu... Mas, sabe? Ainda bem que tu voltou pro teu ponto de partida, e que por sorte minha é o mer'mo que o meu. Bem que tu podia se atrapalhar nessas voltas e nem ter voltado, hein? Ave, que nem gosto de pensar, chega esfria um pouquinho aqui, sabe? Já pensou? Tu ter ficado por lá? Nem sei ... Talvez agora tu nem estivesse aqui, e eu nem tinha te encontrado, porque tu tinha ido pr'outro lado, pra o ponto de partida de outra pessoa. Mas não... Tu tá aqui! Isso deve querer dizer alguma coisa, tu não acha?
- ...
- Acho que a gente se encontrou pra valer agora! E acho também que tem muita coisa que a gente vai ter que ajeitar por conta dessas andanças que demos na vida, né? Num pode deixar tudo assim, largado, abandonar de vez. Tem que ter cuidado, não acha?
- ...
- ...
- Fica!
- Pensei que tivesse ficado sem voz. Falei tanto que até esqueci que tu também precisava dizer alguma coisa.
- Quero que fique.
- Mas eu tô aqui!
- E se a gente se perder dinovo?
- Tu acha que vamos? Se bem que eu já perdi tanto nessa vida que acho que já fiz foi aprender a perder ..
- Num sei. Sabe lá se tu vai ter tempo de esperar... 
-...
-...
- E acredito que não vai ser muito difícil também aprender a esperar... E deixe eu lhe dizer mais ... Já andei só por essas voltas aí que dei, sabe? Pense que já dancei com a solidão em boates sem fim, já fui até amiga dela, que tava mer'mo era começando a me fazer bem. Ou pensar que tava. Mas, agora aqui, deitada no teu colo, te olhando e te sentindo, sabendo que teu cheiro ainda é o mer'mim, que se tu tivesse no escuro eu te encontrava só pelo cheiro, e ainda que o mundo usasse o mer'mo perfume que tu, eu ia te achar, porque o teu é diferente, porque o teu é natural, é teu, e sendo teu, é único. E sabe mais? Como disse, já pensei até que podia viver sozinha, mas depois de hoje ... tá vendo? Óh! Os olhos chega enche d'água ... eu não quero mais viver sozinha não ... Depois de hoje, só de pensar em dançar sozinha, em dormir sozinha, em acordar sozinha, mesmo a gente sabendo que todo mundo nessa vida nasce e morre só, mer'mo assim .. pensar em ficar sozinha começa a me doer ...
- ...
- E eu não quero mais que doa. E nem quero que doa em você também. Quem faz bem a gente, merece ser feliz em dobro, num é? 
- ... Não deixa amanhecer não ...
- É só um pouquinho! Só mais um pouquinho e logo a gente não vai mais ter medo que amanheça ...
- Eu não tenho medo!
- Tem não?
- Eu tenho é saudade.
- ...
- Fica!

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